quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Estigma da diferença está na falta de oportunidades que cada um tem para se afirmar

Associação de Paralesia Cerebral de Coimbra entregou certificados de reconhecimento de competências a 115 pessoas, 80 das quais com deficiência Esta é uma notícia que foge um pouco ao que seria normal, Sem pretender ser egocêntrica, também o será um pouco, inicialmente. Mais de 20 anos de jornalismo deram pra ver de tudo, bom e mau: uma aldeia inteira a chorar a morte de seis crianças afogadas, pessoas a morrer, bebés famintos, soberba, humildade, uns poucos políticos sérios e preocupados, pobres, ricos, egoístas que pensam que não morrem, broncos e eruditos. Eruditos broncos também. Etcetera. Em tanto tempo, em tanta desgraça, nunca me saiu uma lágrima ou um riso franco e espontâneo. Até ontem. E não foi por nenhuma sensibilidade especial, mas pela força do que foi transmitido na cerimónia de entrega de diplomas do Centro de Novas Oportunidades (CNO) da Associação de Paralesia Cerebral de Coimbra (APCC). Dos 115 formandos com competências reconhecidas e certificadas, 80 são portadores de deficiência. Fátima Martins foi chamada a dar o seu testemunho de experiência do CNO, antes de receber o diploma do 6º ano. Em cadeira de rodas automática, perante centenas de pessoas, leu um discurso com uns 15 pequenos parágrafos. Nada de mais, não fosse a tremenda dificuldade do falar, obrigando-o a arrancar palavra a palavra. Algo tão simples, foi ali um desafio tremendo e passou bem a imagem das barreiras a superar por quem tem deficiência, exigindo tenacidades fora do normal para vencer onde outros, sem problemas físicos ou mentais, desistiriam facilmente. Fátima sempre gostou de estudar: inscreveu-se para conhecer novas realidades e, no decorrer do processo, foi tomando “consciência do valor da aprendizagem ao longo da vida”. Hoje sente-se mais valorizada: “aumentei a minha auto-estima, o que me permite encarar o futuro com mais confiança”. Lucília Diogo deixou de estudar cedo, por questões económicas. Retomou em 2008, no CNO, continuou e, aos 50 anos, vai concluir uma licenciatura no próximo 20 de Julho, na Escola Superior de Educação de Coimbra. Ontem incentivou os presentes, porque “todos sabem que são diplomas plenos de mérito”. No mesmo sentido seguiu o testemunho de Catarina Almeida, que reaprendeu a estudar em adulta, já tem o curso de técnica de farmácia e vai continuar a estudar. O CNO inclusivo da APCC tem como público-alvo adultos com idade superior ou igual a 18 anos que pretendam ver as suas competências reconhecidas e certificadas, aos níveis dos 4º, 6º, 9º ou 12º ano de escolaridade. Presente na cerimónia, Gonçalo Xufre, presidente da Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional, deixou a boa nova de que o CNO da APCC foi identificado, na nova fase do programa como “um dos que não pode ficar de fora. Trabalha para a inclusão, área que é prioritária”. António Silvestre, presidente da APCC, identificou o estigma da diferença na “falta de oportunidades que cada um tem para se conhecer melhor ou se afirmar socialmente”. “Quantos artistas, escritores, professores, médicos, se terão perdido por falta de oportunidade?”, questionou, para concluir de imediato: “nunca saberemos”. Mas, “não importa se o que os distinguiu eram as suas diferenças físicas ou sociais, mas sim se ficamos menos ricos por os termos perdido”, refletiu António Silvestre, ao observar que “o reconhecimento dos saberes que cada um já adquiriu é formativo, mas sobretudo transformativo e inclusivo, pelo princípio que encerra de valorização do indivíduo e do seu conhecimento”. António Manuel Rodrigues in Diário de Coimbra, 12-7-2012